É preciso sentir medo...Será?
- Prof. Rubens Marchioni
- 12 de jul. de 2019
- 3 min de leitura
Medo todos nós sentimos, medo de perder o emprego, medo do novo emprego, medo de falar, medo de agir, mas será que é necessário. Sobre esse assunto segue excelente texto do nosso cliente, que tornou-se um grande amigo, publicado no seu Linkedin que estamos reproduzindo abaixo.

Eu nasci no circo. Sou filho e neto de trapezistas
DESDE MUITO CEDO, sempre vi meus avós e meus pais agarrados, com naturalidade, ao trapézio. Como se tivessem nascido lá em cima, desenhavam movimentos tão harmoniosos quanto intensos. Eram essencialmente artistas do espaço. Aquilo, para eles, era o território, a pátria, o idioma, e o jeito de amar.
E por acreditar que era possível ser meio pássaro, enquanto divertia o respeitável público, ainda menino decidi me lançar no espaço e ser feliz no meu trabalho de trapezista. Como não sabia que era impossível, fui lá e fiz. No começo, um pouco tímido. Mas depois cresci e inventei meus próprios saltos.
Portanto, não me venha, agora, advertir para os perigos de pular de uma altura tão grande, dizendo que, segundo tal revista, todo ano morrem não sei quantos trapezistas nos circos do mundo, sem contar os que ficam paralisados devido a contusões etc. A informação é válida, mas não é decisiva.

Retomando a parábola sobre a minha origem, que não é do circo, aos 15 anos me apaixonei pelo microfone, queria ser locutor. Tudo o que via era gente fazendo sucesso, enquanto se transformava nas minhas referências. Nunca soube que para falar em público era preciso sentir medo. Também nunca me disseram que ele pode ter intensidade inferior apenas ao medo da morte.
Durante três anos, fiz locução comercial. Depois, já em São Paulo, participando da missa, substitui os padres, recém-chegados da Irlanda, na hora da homilia – um leigo de 17 anos de idade, pregando, sem script, para uma igreja lotada. Enquanto isso, era uma espécie de ‘orador oficial’ na escola onde estudava. Uma considerável rotina de treino já se iniciava, sem medo de nada, e ela nunca teria fim.
O tempo passou. No seminário, tive aula de Retórica para aperfeiçoar a técnica de falar em público. Em oito anos, falei com muita frequência para as mais diferentes plateias. Fora da Igreja, cursei Comunicação – graduação e pós, essa última, na ESPM. Tornei-me professor universitário e palestrante profissional. Foi quando, ao estudar sistematicamente o assunto, nos livros, revistas e cursos, fiquei sabendo que vencer o medo de falar em público era algo terrível.
Ora, eu havia pulado essa parte. Por conta disso, eu me perguntava: que medo teria de vencer se nunca soube o que é isso, porque o meu mestre Waldemar Bertini nunca me informou que diante do microfone eu deveria tremer, suar frio, desejar sumir etc.? Ele e meus ídolos, no rádio e na TV, sempre me fizeram pensar que locutores nasciam prontos; bastava aperfeiçoar a técnica, ter cuidados com a voz, ter conteúdo, treinar muito, manter o nível de auto-exigência lá em cima, como fazia o lendário Cid Moreira, que lia Machado de Assis em voz alta até conseguir que o leitor ouvisse a pronúncia de uma simples vírgula. Ora, isso nada tem a ver com amargar uma experiência horrível de pavor a cada entrada em cena.

Como palestrante, o palco é o meu trapézio. E continuo ignorando o paradigma segundo o qual preciso tremer ou coisa assim. Lá em cima, estou confortável, sinto-me em casa. E sempre espero que não venham com a advertência sobre os perigos dessa prática – ninguém precisa disso. Principalmente quando eu estiver a um minuto de ser chamado para falar, como se dissessem ‘Olha, o que você vai fazer agora é extremamente perigoso, você pode morrer’.
A propósito, que bom seria se os cursos para a formação de palestrantes relativizassem o assunto e, ao contrário, capacitassem seus alunos com ferramentas adequadas para elaborar os conteúdos a serem apresentados, as técnicas mais eficientes para isso e o desejo de ser e fazer melhor.
Medo? Palestrar é conversar. E quem fica se lembrando de ter medo quando conversa? Melhor ainda: por que ter medo se você sabe que todas as pessoas daquele auditório torcem por você, uma vez que não estão dispostas a ver uma apresentação arrastada, dessas que deixam a sensação de que estamos mascando Bom Bril?
Não importa aqueles que insistem em me alertar para a seriedade do assunto e os perigos envolvidos nessa prática. De que perigos estão falando? Consciente da minha missão de capacitar pessoas, e administrando riscos calculados, sigo minha trajetória, apenas mudando o palco onde faço meu espetáculo, adaptando o conteúdo e a forma a cada plateia, e desejando agradar sempre mais, por meio da competência e disciplina. Respeitável público, aqui estou eu! ₪
RUBENS MARCHIONI é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Autor dos livros Criatividade e redação, A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. http://rubensmarchioni.wordpress.com
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